Que estamos vivendo um período de exceção, não restam dúvidas.
Que estamos aprendendo a lidar com o desconhecido, da mesma forma.
E que vamos aprender muito em todos os sentidos, menos ainda.
Considerando nosso foco nas áreas contábil e do direito, respectivamente, bem como em seus efeitos, vimos a edição de várias orientações e comunicados por parte das autoridades do segmento contábil, em função da necessidade de se apresentar informações contábeis fidedignas.
E, e claro, como não poderia ser diferente, edições de legislações e normatizações por parte do Poder Legislação e dos Entes Tributantes, engrossam as mais diversas situações que envolvem as obrigações tributárias (principal e acessórias).
Quando em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu o primeiro alerta de uma nova doença, depois que autoridades chinesas notificaram casos de uma misteriosa pneumonia na cidade de Wuhan, o mundo entrou em verdadeira efervescência, até os dias de hoje, onde a tragédia denominada de COVID-19, atingiu e está atingindo fortemente todos os Países do Planeta Terra, causando mortes e desespero.
Governos, cidadãos e empresas, dentre outros, encontram-se adotando estratégias de guerra visando a sobrevivência.
Nesse foco momentâneo, preocupamo-nos notadamente aos efeitos desta doença nos Demonstrativos Contábeis das empresas, onde muitas informações já foram publicadas, logo dificuldades serão enfrentadas no decorrer do ano de 2020 e próximos, possivelmente.
De acordo com mensagem do CFC, este evento acabou afetando a economia mundial e, certamente, poderá gerar impactos que devem ser refletidos, em alguma extensão, nos demonstrativos contábeis e financeiros das empresas brasileiras e outras espalhadas pelo mundo. Acreditamos que ainda não é possível mensurar a dimensão dos efeitos econômicos e jurídico-contábeis decorrentes da propagação do Coronavírus (COVID-19) e das medidas governamentais tomadas para evitá-la, porém, neste momento, cabe alertarmos quanto aos cuidados nas divulgações dos impactos, mensuráveis ou não, riscos e incertezas associados com a publicação de informações contábeis e financeiras levantadas em 31 de dezembro de 2019 ou em datas posteriores.
Para auxiliar os profissionais da contabilidade brasileira, a mensagem do CFC ressalta que atualmente o Brasil dispõe de algumas normas técnicas que balizam o posicionamento dos profissionais da contabilidade quanto a melhor abordagem, citamos algumas:
NBC TG 01 – Redução ao Valor Recuperável de Ativos.
NBC TG 06 – Arrendamentos.
NBC TG 16 – Estoques.
NBC TG 24 – Evento Subsequente.
NBC TG 25 – Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes.
NBC TG 26 – Apresentação das Demonstrações Contábeis.
NBC TG 27 – Ativo Imobilizado.
NBC TG 32 – Tributos sobre o Lucro.
NBC TG 46 – Mensuração do Valor Justo.
NBC TG 47 – Receita de Contrato com Cliente.
NBC TG 48 – Instrumentos Financeiros.
Aos auditores ainda cabe à reflexão em relação às seguintes normas:
NBC TA 560 – Eventos Subsequentes.
NBC TA 540 – Auditoria de Estimativas Contábeis e Divulgações Relacionadas.
Por sua vez, o IBRACON (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil) emitiu a Circular 02/2020, a fim de alertar sobre procedimentos a serem considerados, pelos auditores independentes, sobre potenciais efeitos do COVID-19, em conexão com auditoria e/ou revisão de demonstrações contábeis.
Existe a preocupação com a continuidade operacional, sendo sugerido que os auditores façam discussões com o pessoal apropriado de seus clientes para entender a avaliação da administração sobre o potencial impacto do tema em seus negócios.
As discussões se concentrarão em questões mais amplas e específicas da entidade, incluindo assuntos tais como: Interrupções na cadeia de suprimentos que possam afetar os custos ou o timing de fornecimento de matérias-primas; Redução de receita; Potenciais inadimplências financeiras e/ou não financeiras; Preocupações com liquidez; Rebaixamentos de crédito ou outros fatores que podem afetar negativamente a capacidade da entidade de acessar financiamento adequado ou Outros riscos e incertezas.
Enfim, existem vários cenários para uma situação desconhecida. Mas o principal neste momento é que as Demonstrações Contábeis reflitam prudência, evitando-se distribuir resultados positivos, que mais tarde, a empresa não poderá honrar. E não somente não honrar, como ocasionar retrabalho, diante da necessidade premente de força qualificada de trabalho.
Prudência, como princípio contábil, mas também prudência, como virtude, como deontologia.
Precisaremos muitas virtudes dos profissionais envolvidos com o destino de pessoas (físicas e jurídicas), o que tem a ver, como fim, a ética nas relações e nos negócios, vez que profissionais das Ciências Contábeis, do Direito, da Administração, por exemplo, já estão – e serão – muito acionados – a darem o seu melhor, neste momento ímpar de nosso tempo, necessitando união, cooperação, colaboração.
Paralela e/ou simultaneamente, o profissional do jurídico-contábil, dispõe também de um menu variado de serviços a serem disponibilizados, de acordo com a realidade do seu tomador.
Destacamos 3 (três) outras fontes importantes para serem avaliadas pelos contribuintes nesta situação, e que podem trazer continuidade e perenidade de seus negócios.
A primeira, esfera administrativa para resolver débitos tributários federais, como é o caso da (1) transação tributária (tradicional, da chamada MP do Contribuinte Legal e a extraordinária), (2) os Negócios Jurídicos Processuais – NJP; ambas possibilidades de negociar os débitos dos contribuintes, como certas formalidades, o que, por certo, são novos serviços a serem desenvolvidos pelos profissionais do jurídico-contábil, isolada ou conjuntamente.
Ainda nesta tal esfera administrativa, citamos a possibilidade de diagnóstico, revisão e aproveitamento de créditos tributários, principalmente os de contribuições previdenciárias, via PERDCOMP, inclusive por meio da conhecida compensação cruzada, aqui, uma forma de não gerar desembolso de pagamento de tributos, mas sim, compensar créditos com débitos.
Neste particular, importante atenção dos profissionais do jurídico-contábil é quanto à prova dos créditos, pois tal prova cabe exclusivamente ao contribuinte, de acordo com pacífica jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.
A segunda, na esfera judicial, propondo ações para recuperar pagamentos de tributos julgados indevidos pelo Poder Judiciário, cujo rol depende de avaliação acurada dos profissionais da área jurídica, a fim de não criarem passivos desnecessários e indesejáveis.
Prosseguindo na esfera judicial há também a possibilidade de postergar o pagamento de tributos e obrigações acessórias, cuja análise também deverá se ter muita prudência, diante das diversificadas decisões judiciais a respeito, umas sob o plano infraconstitucional – se moratória necessita de lei ou se apenas Portaria ou Instrução Normativa seriam suficientes para casos de calamidades públicas de 2012 -, outras sob o plano de direito constitucional, cujo espectro, ao nosso sentir é muito mais amplo que os argumentos infraconstitucionais, podendo a discussão, um dia chegar no Supremo Tribunal Federal.
E a terceira, inserida no direito empresarial, uma vez mais, os profissionais do jurídico-contábil têm que convergir, definir um checklist (plano de contingência) com rapidez, a fim de dar continuidade e perenidade aos negócios empresariais.
Definir uma agenda, prioridades, mapear riscos, inventariar o patrimônio, revisar contratos (sócios, trabalhadores, clientes, bancos, fornecedores) é medida que se impõe, sob pena de os negócios sucumbirem.
É totalmente perceptível que são áreas afins, portanto, inter/multidisciplinares e mais uma nova oportunidade de prestação de serviços bate à nossa porta.
Para finalizar, destacamos ainda, uma medida societária com efeitos tributários: a constituição da reserva de contingência, disposta no artigo 195 da Lei das SA, abrangendo todas as sociedades (companhias abertas, fechadas e demais sociedades empresárias, guardando, suas devidas proporções de formalidades).
A percepção e tomada de decisão devem ser rápidas, pois empresas que ainda não pagaram tributos para este trimestre, poderão optar pelo Lucro Real (anual ou trimestral), não se exigindo pagamentos mensais, por certo, um alívio em seus caixas, porém, há necessidade de se contextualizar10, e sem querermos ser repetitivos, novamente, tais profissionais se mostram imprescindíveis.
Enfim, que aprendamos, nos unamos e saiamos mais fortes.
NOTAS:
- Vide Medida Provisória 899/2019.
- Vide Portarias PGFN 11.956/2019, 7.820/2020 e 8.457/2020, www.regularize.pgfn.gov.br.
- Vide Portarias PGFN 33/2018 e 742/2018.
- Acórdãos 1002-000.643, 1003-000.407, 1302-003.467, 3003-000.511, 3302-006.451.
- Exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS; insumos no PIS/COFINS não-cumulativo; não incidência de PIS/COFINS sobre receitas de terceiros; contribuições previdenciárias sobre as verbas indenizatórias; contribuição para o FUNRURAL nas exportações indiretas, dentre outras.
- Artigos 97, VI, 151, I a 154, todos do CTN, exigem lei para instituir moratórias.
- Vide Portaria MF 12/2012.
- Vide IN/RFB 1.243/2012.
- Dignidade da pessoa humana; valores e direitos sociais do trabalho e até o fato do príncipe – o qual, advém dos contratos da Administração Pública e no nosso entendimento, utilizado neste momento excepcional como uma espécie de “trampolim” (analogia) para se chegar nos citados direitos constitucionais. Vide liminar deferida pelo juízo da 21ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal no processo 1016660-71.2020.4.01.3400.
- Por exemplo, a tributação do PIS/COFINS, passando para o regime não-cumulativo, com a respectiva tomada de créditos.
Por André Henrique Lemos
Advogado, professor, palestrante; conselheiro titular do CARF (2016-2018); conselheiro suplente no TAT/SC (2012-2018); diretor da regional de SC do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial – IBDEE; presidente da comissão de governança corporativa e compliance do Instituto dos Advogados de SC – IASC; árbitro empresarial.
e Por Renato Feijó
Contador, auditor independente (CVM/CNAI), consultor de empresas, instrutor, membro do Conselho Curador e Conselho Fiscal de entidades do Terceiro Setor, ex-conselheiro do CRCSC e coordenador da comissão de educação profissional continuada do CRCSC.