Após rápida análise quanto ao local de incidência do ISSQN, quanto conceito de estabelecimento do prestador e ao conceito de domicílio de prestador, passaremos a analisar as consequências decorrentes da não realização do cadastro por parte do prestador, em especial quanto à possível absorção da competência tributária relativa ao ISSQN pelo Município de São Paulo/SP e nomeação dos tomadores dos serviços como responsáveis tributários. Por fim, termos uma análise do RE 1167509, tema 120 da Repercussão Geral, julgado recentemente pela Suprema Corte, com a fixação da seguinte tese: “É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do Município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços – ISS quando descumprida a obrigação acessória“.
Como sabemos, a Constituição Federal de 1988 outorgou aos Municípios a competência tributária para a instituição do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Carta Magna ainda deixou consignado que cabe à Lei Complementar “dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” (art. 146, inciso I). No cumprimento de tal mister, coube à Lei Complementar 116/03, que define as normas gerais do ISSQN, definir o local de incidência deste imposto, o que é de obediência obrigatória a todos os Municípios deste vasto país.
Artigo 3º da LC 116/03 estabelece que REGRA GERAL, “o serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do ESTABELECIMENTO PRESTADOR ou, na falta do estabelecimento, no local do DOMICÍLIO DO PRESTADOR”.
Os 25 (vinte e cinto) incisos do artigo 3º da LC 116/03 trazem exceções à regra geral supracitada, consignado que o imposto é devido, a depender do caso, no LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO (tal como na Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, serviço constante no subitem 7.02 da lista de serviço anexa à LC 116/03) ou no DOMICÍLIO DO TOMADOR (tal como nos planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres, serviço constante no item 4.22 da lista de serviço anexa à LC 116/03).
Para os fins deste artigo vamos nos limitar aos serviços não constantes nos incisos do artigo 3º e que, por isso, seu local de incidência encontra-se na regra geral do caput deste artigo, tais como os serviços de educação, ensino, orientação pedagógica e educacional, instrução, treinamento e avaliação pessoal de qualquer grau ou natureza, constantes no item 8 da lista de serviço anexa à LC 116/03 que considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do ESTABELECIMENTO PRESTADOR ou, na falta do estabelecimento, no local do DOMICÍLIO DO PRESTADOR.
Conforme artigo 4º da LC 116/03, “considera-se ESTABELECIMENTO PRESTADOR o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”.
O conceito de unidade econômica ou profissional pode ter pequena variação de acordo com cada Município, mas de forma geral é indicado pela conjugação parcial ou total de alguns elementos, tais como: a) manutenção de pessoal, material, máquinas, instrumentos e equipamentos próprios ou de terceiros necessários à execução dos serviços; b) estrutura organizacional ou administrativa; c) inscrição nos órgãos oficiais de qualquer natureza, inclusive previdenciários; d) indicação como domicílio fiscal para efeito de outros tributos; e) Permanência ou ânimo de permanecer no local, para exploração econômica de atividade de prestação de serviços, exteriorizada através de elementos tais como: indicação de endereço em impressos, formulários ou correspondência; locação de imóvel; propaganda, publicidade ou “site” na internet e contratos, contas de telefone, fornecimento de energia elétrica, água ou gás em nome do prestador, seu representante ou preposto. É o que estabelece, por exemplo, o artigo 117 do Decreto n. 1.786/15, Regulamento do Código Tributário do Município de Goiânia/GO.
Por outro lado, o DOMICÍLIO TRIBUTÁRIO do contribuinte é aquele eleito pelo contribuinte (art. 127 do CTN), ou seja, é aquele constante no Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral – Cartão CNPJ.
Na grande maioria dos casos o ESTABELECIMENTO DO PRESTADOR coincide com seu DOMICÍLIO TRIBUTÁRIO, não havendo maiores problemas quanto ao local de incidência do ISSQN para os serviços em apreço, ou seja, aqueles cujo local de incidência do ISSQN é definido pelo caput do art. 3º da LC 116/03. É o que ocorre, por exemplo, quando uma pessoa jurídica estabelecida e domiciliada no Município de Goiânia/GO presta serviço de treinamento (item 8 da lista de serviço anexa à LC 116/03) no Município de São Paulo, alugando uma sala de um hotel na capital paulista durante um final de semana. Conforme caput do art. 3º da LC 116/03, ISSQN devido ao Município de Goiânia/GO, local do ESTABELECIMENTO DO PRESTADOR e local do DOMICÍLIO DO PRESTADOR.
Agora, imagine que esta mesma pessoa jurídica, após adquirir grande clientela no Município de São Paulo/SP resolve por encerrar seu estabelecimento no Município de Goiânia, transferindo toda a sua estrutura organizacional ou administrativa (ESTABELECIMENTO PRESTADOR) para a capital paulista. Sem nenhuma alteração contratual, seu DOMICÍLIO TRIBUTÁRIO continua no Município de Goiânia/GO, local onde também ocorre a emissão de suas notas fiscais e recolhimento do ISSQN.
Caso o Município de São Paulo/SP identifique que em seu território esta pessoa jurídica está estabelecida (ainda que não domiciliada), este Município poderá efetuar o lançamento do ISSQN correspondente, mesmo que este já tenha sido recolhido ao Município de Goiânia/GO?
A resposta é positiva! Isso porque, conforme já mencionado, segundo o caput do artigo 3º da LC 116/03, “o serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do ESTABELECIMENTO PRESTADOR ou, na falta do estabelecimento, no local do DOMICÍLIO DO PRESTADOR”.
Evidente que, a existência de ESTABELECIMENTO PRESTADOR se sobrepõe ao local do DOMICÍLIO PRESTADOR para fins de local de incidência do ISSQN. Por esta razão, as administrações tributárias municipais não têm medido esforços para identificar ESTABELECIMENTOS PRESTADORES que estão em seu território, embora os prestadores estejam DOMICILIADOS em outro Município.
Prática bastante recorrente pelos Fiscos Municipais é solicitar às concessionárias de energia elétrica ou de telefonia relação de tomadores de serviços em seu Município. Ato contínuo cruzam tais dados ao seu cadastro interno, identificando pessoas jurídicas que pagam conta de telefone, por exemplo, no Município, mas cujo CNPJ esteja em outro Município. Após diligências ao local e comprovada a existência do estabelecimento do contribuinte, a administração tributária ganha como “prêmio” a competência tributária referente ao ISSQN correspondente, podendo lançar e cobrar tais valores.
CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS – CPOM/SP
Município de São Paulo/SP, no entanto, deixou a posição ativa de fiscalizar e identificar tais situações e passou a PRESUMIR que todas as pessoas jurídicas, independente do local de seu DOMICÍLIO TRIBUTÁRIO, estão ESTABELECIDAS naquela capital.
Por se tratar de uma presunção relativa, e não absoluta, permite a essas pessoas jurídicas a prova em contrário, o que é feito através da realização de um CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS – CPOM na Secretaria de Finanças, que dentre várias exigências, solicita: cópia do contrato de locação, se for o caso, com firma reconhecida dos signatários; cópia das faturas de pelo menos 1 (um) telefone dos últimos 6 (seis) meses em que conste o endereço do estabelecimento; cópia da última conta de energia elétrica em que conste o endereço do estabelecimento e 03 (três) fotografias do estabelecimento, com o registro das seguintes imagens: as instalações internas, a fachada frontal e detalhe do número (Portaria – SF/SP n. 101/2005).
Ou seja, a pessoa jurídica prestadora de serviços DOMICILIADA fora da capital paulista deve provar que também está ESTABELECIDA fora daquele município. Em caso de descumprimento desta obrigação acessória, ou seja, caso não seja efetuado o cadastro em apreço, se efetiva a presunção de que a pessoa jurídica esta ESTABELECIDA em São Paulo/SP. E mais, uma vez “dono” do imposto, o Município constitui o tomador do serviço como responsável tributário, devendo este efetuar a retenção e recolhimento do ISSQN ao São Paulo/SP.
Art. 9º-A, Lei nº 13.701/2003, com a redação decorrente da Lei nº 14.042/2005, SP – O prestador de serviço que emitir nota fiscal autorizada por outro Município, para tomador estabelecido no Município de São Paulo, referente aos serviços descritos nos itens 1, 2, 3 (exceto o subitem 3.04), 4 a 6, 8 a 10, 13 a 15, 17 (exceto os subitens 17.05 e 17.09), 18, 19 e 21 a 40, bem como nos subitens 7.01, 7.03, 7.06, 7.07, 7.08, 7.13, 7.18, 7.19, 7.20, 11.03 e 12.13, todos constantes da lista do “caput” do art. 1° desta lei, fica obrigado a proceder à sua inscrição em cadastro da Secretaria Municipal de Finanças, conforme dispuser o regulamento.
§ 1º Excetuam-se do disposto no “caput” deste artigo os serviços provenientes do exterior do País ou cuja prestação tenha se iniciado no exterior do País.
§ 2º As pessoas jurídicas estabelecidas no Município de São Paulo, ainda que imunes ou isentas, são responsáveis pelo pagamento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, devendo reter na fonte o seu valor, quando tomarem ou intermediarem os serviços a que se refere o “caput” deste artigo executados por prestadores de serviços não inscritos em cadastro da Secretaria Municipal de Finanças e que emitirem nota fiscal autorizada por outro Município
Situação acima narrada foi submetida ao crivo do Judiciário Paulista, que chancelou em inúmeras situações o artigo 9º, caput e §2º, da Lei nº 13.701/2003, com a redação decorrente da Lei nº 14.042/2005, manifestando no sentido da constitucionalidade do CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS – CPOM, em especial quanto à possível absorção da competência tributária relativa ao ISSQN e nomeação dos tomadores dos serviços como responsáveis tributários, caso o prestador não cumpra esta obrigação acessória.
Em caso especial temos Mandado de Segurança Coletivo interposto pelo Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo – SEPROSP. (Processo Original n. 053.05.022160-7/TJSP, Apelação n. 601.077/5 – TJSP). Na ocasião, 14º Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu por desprover recurso de apelação, concluindo ser o CPOM/SP obrigação acessória de interesse local e, portanto, constitucional, conforme abaixo:
Apelação – Mandado de Segurança coletivo impetrado por Sindicato – Preliminar de ilegitimidade ativa afastada – ISS – Insurgência contra a obrigatoriedade de cadastramento de empresas prestadoras de serviço na Capital e estabelecidas fora do Município – Lei Municipal n° 14.402/05 – Legalidade – Hipótese de mera obrigação acessória no interesse local -Recurso improvido.
A imposição do Município de São Paulo, devidamente chancelada pelo Judiciário Paulista acabou por incentivar a disseminação do CPOM/SP (e seus efeitos, em especial quanto ao local de incidência do ISSQN e responsabilidade tributária dos tomadores dos serviços) em várias outros Municípios do país, dentre os quais, podemos exemplificar: FORTALEZA/CE (artigo 144 da LC n. 159/2013, regulamentado pelos artigos 210, 211, 214, 225 e 613 do Regulamento do Código Tributário Município, aprovado pelo Decreto n°13.716/2015); PALMAS/TO (artigo 51, inciso XXII da LC n. 285/2013); PORTO ALEGRE/RS (art. 1º-A da LC n. 306/93 e Instrução Normativa SMF nº 01/2009 – atualizada até IN SMF 06/2020); RIO DE JANEIRO/RJ (Lei nº 4.452/06, que acrescentou o art. 14-A à Lei nº 691/84; Decreto 28.248/07. Resolução SMF 2.515/07. Decreto nº 28248, de 30 de julho de 2007, Anexo I); MACEIÓ/AL (Artigo 2º do Decreto n° 8.624/2018).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO n. 1167509 – Tema 120 da Repercussão Geral
No caso já mencionado, o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo – SEPROSP inconformado com decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/SP interpôs Recurso Extraordinário à Corte Suprema (RE 1167509). Controvérsia teve repercussão geral reconhecida pelo STF em novembro de 2018 (Tema 120 da repercussão geral).
Em Sessão Virtual realizada de 19.2.2021 a 26.2.2021, o STF, por maioria, apreciando o tema, deu provimento ao RE 1167509, declarando incompatível com a Constituição Federal a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração local, instituída pelo Município de São Paulo em desfavor de prestadores de serviços estabelecidos fora da respectiva área, imputada ao tomador a retenção do Imposto Sobre Serviços – ISS quando descumprida a obrigação acessória, assentada a inconstitucionalidade do artigo 9º, cabeça e § 2º, da Lei nº 13.701/2003, com a redação decorrente da Lei nº 14.042/2005. Foi fixada a seguinte tese:
“É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do Município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços – ISS quando descumprida a obrigação acessória“
Vale observar que o Recurso Extraordinário n. 1167509 efetuou um controle difuso de constitucionalidade (e não um controle concentrado, tal como ocorre em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI), possuindo, regra geral, efeito interpartes, declarando a inconstitucionalidade tão somente do CPOM/SP consubstanciado no artigo 9º, caput, e § 2º, da Lei nº 13.701/2003, com a redação decorrente da Lei nº 14.042/2001.
No entanto, Municípios que optaram por replicar o CPOM/SP estão com suas legislações correspondentes em xeque e devem fazer uma tratativa interna no sentido de insistirem ou não na exigência da obrigação acessória em apreço, considerando, sobretudo, que base material foi enfrentada e decidida pela nossa corte Suprema, que se manifestou pela sua inconstitucionalidade. Por fim, importante constar ainda que até a presente data, não houve modulação de efeitos da decisão proferida nos autos do Recurso Extraordinário n. 1167509/SP. Deste modo, caso a situação assim se permaneça, pessoas jurídicas domiciliadas em qualquer Município deste país e que por não terem realizado o Cadastro de Prestadores de Outros Municípios – CPOM/SP foram “punidas” indevidamente com a retenção e recolhimento do ISSQN ao Município de são Paulo/SP possuem o direito de pedir RESTITUIÇÃO destes valores no prazo de 05 anos a contar do pagamento indevido (art. 168 do CTN), restituindo também juros de mora e eventuais penalidades pagas (art. 167, CTN).
Artigo escrito por:
Lucas Morais – Auditor de Tributos. Superintendente da Administração Tributária do Município de Goiânia/GO. Representante Técnico de Goiânia/GO na Câmara Técnica Permanente (CTP) da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais – ABRASF. Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Goiás – UFG. Graduado em Direito pela Uni-Anhanguera. Pós-graduado em Direito Tributário e Processual pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Mestrando em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católica Argentina – UCA. Professor no MBA Contabilidade, Compliance & Direito Tributário e no MBA Auditoria Digital e Direito Tributário da BSSP ministrando os módulos de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, Processo Administrativo e Judicial Tributário, Malhas Fiscais e Inovações Tributárias.
Luzimar Silva Morais – Advogada Tributarista com foco em planejamento tributário, defesas administrativas e judiciais. Mestranda em Direito Tributário pela Universidade Católica da Argentina – UCA. Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada em Direito pela Faculdade Sul Americana – FASAM (2018). Graduada em Administração de Empresas pela Fundação Universidade do Tocantins. Habilitação Profissional Plena de Técnica Em Contabilidade. Habilitação Profissional Plena em Magistério. Professora na Faculdade Sul-Americana – FASAM no curso de Ciências Contábeis na disciplina de Auditoria das Demonstrações Contábeis. Professora no MBA Contabilidade, Compliance & Direito Tributário da BSSP, ministrando os módulos Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, Práticas de Direito Tributário & Contencioso (Administrativo e Judicial) e Compliance & Auditorias Tributárias. E-mail: luzimarpsilvamorais@gmail.com