Essa é uma questão emblemática e muitas dúvidas têm surgido desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 132 de 20 de dezembro de 2023, a qual promoveu a Reforma Tributária sobre o consumo no país e, paralelamente, criou e extinguiu tributos. Esse remendo à Constituição Federal representará diversas consequências em nosso sistema tributário.
Dentre os impactos que essa mudança produzirá, estão as microempresas e empresas de pequeno porte que, em sua grande maioria, optam pelo regime simplificado e diferenciado do Simples Nacional o qual, será objeto de análise neste artigo.
Regime tributário simplificado e favorecido será mantido
Inicialmente, é importante destacar que, de acordo o art. 146, III, “d” da Constituição Federal, as micro e pequenas empresas têm direito a tratamento diferenciado e favorecido, à vista disso, a redação da EC 132 prevê que o regime simplificado abrangerá os novos tributos, isto é, o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS e a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS.
Possibilidade de recolhimento do IBS/CBS fora do Simples Nacional
Como citado acima, o Simples Nacional é o regime tributário que estabelece tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte, especialmente no que se refere à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições em um único documento, o DAS, o qual abrange, em regra, os tributos inerentes à operação da pessoa jurídica, sendo o IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, IPI, ICMS e/ou ISS.
Com a Reforma Tributária, as empresas optantes pelo Simples Nacional terão duas opções para o recolhimento do IBS e da CBS:
- i) de forma unificada com os tributos inerentes à sua operação; ou
- ii) de forma segregada, nos moldes das empresas tributadas pelo lucro real ou presumido (art. 146, § 2º, da CF/88, com redação dada pela EC 132/2023).
Essa alteração representa uma grande mudança nesse regime tributário, uma vez que até o momento apenas alguns tributos eram recolhidos em separado do DAS, como por exemplo o PIS e a Cofins monofásicos e os casos em que o sublimite estadual era ultrapassado e o ICMS ficava de fora, porém decorrem de imposição legal e não de opção do contribuinte.
Com esse novo ordenamento tributário, no caso do IBS e da CBS, o contribuinte terá a faculdade de optar por tributá-los como as demais empresas e, com isso, o valor devido no Simples Nacional será reduzido em relação aos percentuais desses tributos.
Qual a vantagem do contribuinte em recolher o IBS/CBS como as demais empresas?
Essa pergunta tem sido recorrente e, para responder isso, é preciso entender os efeitos que essa mudança resultará. Vejamos:
De acordo com o art. 146, § 3º, da CF/88, com redação dada pela EC 132, se o IBS e a CBS forem recolhidos dentro do Simples Nacional gerarão créditos nos mesmos valores em que foram recolhidos.
E qual a novidade disso? Em relação ao ICMS, nenhuma! Pois já funcionava dessa forma, mas quanto ao PIS e à Cofins a referida alteração implica diretamente às empresas do regime não cumulativo destes tributos, já que mesmo quando compravam de empresas do Simples Nacional, podiam aproveitar créditos às alíquotas básicas de 1,65% e 7,6%. E isso era uma grande vantagem para as empresas do Simples Nacional, pois elas tributavam na primeira faixa de comércio o montante de 0,62% e geravam crédito de 9,25% de PIS e Cofins.
Entretanto, após a implementação total do IBS e da CBS, o que ocorrerá somente em 2033, mantendo o que consta do texto atual do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, será pago, na primeira faixa do comércio, o total de 1,98% em relação estes novos tributos e o adquirente, fora do Simples Nacional, terá direito somente ao crédito do valor nominal destacado no documento fiscal, isto é aquele que incidiu sobre a operação.
Em termos de não cumulatividade, isso inclusive é mais lógico, porém, afasta um grande benefício que as empresas do Simples Nacional possuem atualmente, que é gerar um crédito superior ao valor pago.
Desse modo, como essa medida pode trazer consequências negativas às empresas optantes pelo Simples Nacional, criou-se a possibilidade de se tributar fora desse regime, o que, consequentemente, gerará para o adquirente um crédito igual ao das demais empresas.
Por essa razão, é preciso muito cuidado nessa análise, pois uma decisão errada pode majorar a carga tributária do contribuinte optante pelo Simples Nacional, sem contar a complexidade que essa nova alternativa reflete, descaracterizando um dos principais atrativos desse regime: a simplificação das apurações e cumprimento das obrigações acessórias.
Nesse caso, o risco é promover uma inversão de valores, haja vista que a ideia da reforma tributária era simplificar o cálculo, recolhimento e obrigações acessórias, todavia, a empresa terá que calcular o IBS e a CBS como as demais pessoas jurídicas (lucro real e presumido), bem como apurar créditos em suas aquisições, além das novas particularidades desse modelo de não cumulatividade, que condiciona o crédito ao efetivo recolhimento do imposto da venda (split payment).
Vale destacar que, para as empresas optante pelo Simples Nacional que vendem apenas para o consumidor final pessoa física, essa opção não tem sentido, uma vez que eles não têm direito ao crédito.
Para ajudar na compreensão do exposto, tem-se na tabela abaixo o resumo dessa questão dos créditos:
CRÉDITOS | |
IBS/CBS no Simples Nacional | IBS/CBS fora do Simples Nacional |
Impossibilidade de crédito pelo contribuinte do Simples Nacional | Possibilidade de crédito pelo contribuinte do Simples Nacional |
Crédito pelo adquirente regular no montante devido no Simples Nacional | Crédito pelo adquirente regular no montante devido de IBS/CBS |
E teria mais alguma vantagem em tributar o IBS e a CBS por fora?
A empresa optante pelo Simples Nacional, em regra, deixa de ter direito de usufruir dos benefícios que são aplicados aos produtos que comercializa, como isenção, suspensão, alíquota zero e outras espécies de redução.
É assim com os produtos sujeitos à alíquota zero da cesta básica do PIS e da Cofins, por exemplo, que são tributados normalmente no Simples Nacional. Nesse contexto, há de fato uma vantagem adicional em se optar por tributar o IBS e a CBS por fora, uma vez que nesse caso o contribuinte supostamente poderá usufruir desse benefício.
Caso a empresa comercialize produtos que possuam alíquota zero desses novos tributos, faz-se interessante essa opção, uma vez que reduzirá o valor pago no Simples Nacional e o contribuinte não terá valores a pagar de IBS e CBS, pois os produtos possuem benefícios.
Teremos, portanto, mais um item de avaliação para as empresas optantes pelo Simples Nacional.
Opção pela tributação por fora
A opção por tributar o IBS e a CBS por fora do Simples Nacional deverá ser exercida no mesmo prazo para opção ao Simples Nacional, que atualmente ocorre em janeiro. E essa opção será irretratável para todo o ano-calendário (art. 21, §§ 4º e 5º, do PLP 68/2024).
Dessa forma, será necessária uma avaliação criteriosamente técnica nessa opção, especialmente por parte dos contribuintes optantes pelo Simples Nacional que vendem para outras empresas, para escolherem com propriedade essa opção, pois, ao tributar por fora, poderá resultar em aumento da carga tributária e, ao manter a tributação dentro, poderá importar em menos créditos para o adquirente, que poderão deixar de comprar dessas empresas para não prejudicar o direito ao crédito.
E mais um ponto a destacar é que essa escolha será aplicável a toda apuração do IBS e da CBS, ou seja, ela não poderá ser exercida somente para determinados produtos ou operações, além disso, alguns contribuintes poderão optar por constituir mais de uma empresa, caso comercializem, por exemplo, com consumidores finais pessoas físicas (que em regra será vantajoso tributar dentro do Simples Nacional) e com outras pessoas jurídicas (que poderá ser interessante tributar por fora para permitir créditos maiores aos adquirentes).
Tabelas do Simples Nacional
O Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 já prevê as novas Tabelas do Simples Nacional, com vigência a partir de 2027, uma vez que em 2026 a Reforma Tributária ainda não terá impactos diretos na apuração do regime unificado.
À vista disso, importa destacar que os valores totais continuarão os mesmos em todas as tabelas, inclusive a que terá vigência a partir de 2033, data em que o IBS e a CBS entram em vigor plenamente. A alíquota do Anexo I, da primeira faixa, por exemplo, permanece nos atuais 4,00%. O que mudará ano a ano é a distribuição desse percentual em relação a cada tributo pertencente ao recolhimento unificado.
Por isso, é muito importante conhecer essa distribuição para efeito de análise da tributação do IBS e da CBS dentro ou fora do Simples Nacional, inclusive durante a transição, em que esses tributos terão um percentual menor, uma vez que o ICMS e o ISS seguirão vigentes até 2032.
Sublimite do Simples Nacional
Atualmente, o limite anual do Simples Nacional é de R$ 4,8 milhões, sendo que é previsto sublimite para recolhimento do ICMS e do ISS em R$ 3,6 milhões, ou seja, ao ultrapassar este último valor, a empresa continua recolhendo os demais tributos no Simples Nacional, exceto o ICMS e o ISS que serão apurados e recolhidos na forma aplicável às demais empresas.
A previsão de sublimite está mantida no Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 em relação aos atuais impostos (ICMS e ISS), que seguem vigentes até 2032, e para o IBS, que começará em 2027. Em relação à CBS não será aplicado o sublimite, evidenciando uma diferença entre esta contribuição e o novo imposto (art. 13-A da LC 123/2007, com redação do PLP 68/2024).
Imposto Seletivo
Além do IBS e da CBS, a EC 132 também prevê a possibilidade de criação de um novo imposto, incidente sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, o qual é batizado de Imposto Seletivo – IS e conhecido por “Imposto do Pecado”, esse novo tributo não integrará o recolhimento unificado do Simples Nacional.
Portanto, uma empresa do Simples Nacional que produza um desses produtos, a exemplo de bebidas alcoólicas, conforme já prevê o Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, terá, além do próprio valor do Simples Nacional, que recolher o Imposto Seletivo, em alíquota ainda a ser definida em lei ordinária.
Observações Finais
Como é possível verificar, a Reforma Tributária também trouxe grandes consequências ao Simples Nacional e os profissionais que assessoram estas empresas terão que agir com muito mais estratégia no momento de optar pelo Simples Nacional, ou ainda, de escolher entre tributar o IBS e a CBS dentro do recolhimento unificado.
Ressalta-se que tal preocupação não poderá ser postergada para 2027, quando começam os efeitos do IBS e da CBS em relação ao Simples Nacional. É imprescindível seguir acompanhando aquilo que já é aplicável e suas implicações, inclusive as alterações legislativas dos atuais ICMS, ISS, PIS e Cofins, que podem impactar diretamente no recolhimento do Simples Nacional.
O objetivo declarado da Reforma Tributária é simplificar a tributação sobre o consumo no país, no entanto, em relação às empresas optantes pelo Simples Nacional, não se pode afirmar que isso será uma realidade, vez que exigirá que esses contribuintes avaliem a questão de tributar o IBS e a CBS dentro ou fora do recolhimento unificado. Além disso, a Reforma ainda acabará com uma das vantagens deste modelo, que é tributar o PIS e a Cofins dentro do Simples Nacional com alíquotas bem menores, sem comprometer o crédito para os adquirentes fora do regime.
Por fim, cabe esclarecer que este artigo foi desenvolvido a partir da EC 132, já aprovada, e do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, que ainda está em discussão no Congresso Nacional e que poderá, portanto, sofrer mudanças até sua aprovação.
Fabio Rodrigues
Advogado. Mestre em Ciências Contábeis. Autor e coautor de diversos livros na área contábil e tributária. Palestrante e professor em cursos de pós-graduação. Diretor na Busca Legal Tecnologia e na BSSP Pós-Graduação.