O conceito de Big Data, do inglês, significa grande quantidade de dados. Este conceito prevê que haja três V: Variedade, Volume e Velocidade[1]. No caso de dados de contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, estes requisitos estão totalmente aderentes.
As malhas são o que chamamos de processos de verificação de consistências e coerências entre informações. O termo teve origem na década de 1980 com o Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF, e seguiu nos tempos atuais sobre as bases de dados mantidas pelos fiscos. Estas bases de dados, riquíssimas em informações, são escrutinadas pelos programas de malhas na detecção de comportamentos fora do padrão, desvios ou rastros que permitam suspeitar de condutas não conformes.
Basicamente os programas de malhas são qualificadores automatizados (ou robotizados) para identificar padrões e selecionar aquelas situações que fogem ao padrão. Casos simples como o cruzamento da declaração de ajuste anual de uma pessoa física contra a declaração das fontes pagadoras detectam omissão de receitas, por exemplo. Seja um aluguel não recebido ou ainda um procedimento de saúde que uma fonte declara que pagou (ou recebeu) e a outra não declara. Há casos bem mais sofisticados como calcular a metragem de uma edificação e cruzar com registros de obras, cartórios de imóveis e alvarás das prefeituras.
Costumo dizer em sala de aula que malhas é estatística e que o futuro é incerto. Veja o que coloca Harari (2019)[2] sobre o presente (ele não inclui o futuro): “A internet, por exemplo, só se disseminou no início dos anos 1990, há pouco mais de vinte anos. Hoje não podemos imaginar o mundo sem ela”. Sem estudar ao que os fiscos se debruçam a estudar, não é possível estabelecer, nem mesmo tendências.
É pelo padrão de comportamento dos dados que se torna possível verificar o que seria esperado dos contribuintes. Quando um comportamento standard é estabelecido ficará mais fácil detectar o que está fora de padrão. Por exemplo, no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) que é calculado por um percentual do valor do imóvel cobrado anualmente. Se este valor pago é distinto do esperado pode indicar que o valor bem está mal declarado, cadastrado ou houve fraude no registro. Isso porque os demais bens da localidade de características semelhantes têm cobrança em valores que permitem detectar o padrão. Aqueles que não seguem a curva normal devem ser reexaminados. Também é preciso entender que o processo de malhas não identifica um erro ou ilícito, mas gera a suspeição que resultará na análise pormenorizada dos dados e daí por diante os procedimentos serão aplicados a fim de confirmar (ou não) as situações.
Os fiscos têm exibido a cada ano seus resultados e perspectivas de aprofundamento em questões que envolvem malhas. Uma boa fonte em nível federal é o plano de fiscalização da Receita Federal do Brasil. As pistas estão por todo o documento publicado anualmente. Basta uma leitura atenta para “descobrir” as tendências de futuro próximo. Veja-se também a publicação do fisco estadual do estado do Rio Grande do Sul – uma iniciativa que poderá ser seguida por outras unidades federadas. Por exemplo, no plano anual de fiscalização da RFB 2019, traz a informação que foram alertados 74.000 contribuintes por caírem na malha das empresas (malha de PJ) em matérias de exames de autônomos. Esta ação se coaduna com outras que visam a autorregularização de contribuintes.
A partir dos resultados apresentados é possível prever novas ações por parte do agente fiscalizador. Outro exemplo, este da SEFAZ/RS, informa entre as principais ações quanto a fiscalização de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na cadeia de móveis planejados. A trama de planejamento tributário não aceito pelo fisco incluiu empresas no regime do SIMPLES em ação coordenada com empresas maiores, distribuindo faturamento gerando elisão fiscal. Pelos exemplos (e informações nos planos anuais de fiscalização) é fácil perceber que estas malhas serão aplicadas nos próximos exercícios.
Neste cenário é importante relembrar que o prazo decadencial está a favor dos fiscos. Assim, o que hoje não está no radar poderá estar num próximo período. A descoberta no comportamento tributário dos contribuintes revelando um planejamento tributário – nesse sentido é preciso que o conceito de planejamento tributário seja bem aplicado sugerirá novas malhas. Não há nada de errado em realizar planejamento tributário com bons propósitos negociais. Já aqueles que visam apenas a redução da carga tributária por via da elisão ou evasão fiscal poderão cair em malha.
A verdade é que o “olho mágico” dos fiscos a tudo enxerga e a tudo analisa quando os contribuintes têm porte para estarem no mundo digital do Sistema Público de Escrituração Digital – Sped. Em 2018, propus no livro Compliance Tributário, práticas, riscos e atualidades[3] o modelo corporativo do Sped na tentativa de ajudar colegas do mundo tributário-contábil explicarem aos gestores dos empreendimentos as conexões entre as fontes de dados utilizadas em cruzamentos e malhas. Entender estas conexões e as informações que estão no big data dos fiscos é primordial para o plano de precaução de intimações dos contribuintes (primeiro passo antes do auto de infração).
Nesta “briga de gato e rato” os fiscos estaduais perceberam que o uso da tecnologia da informação é uma grande aliada. Passaram a realizar encontros nacionais para transferência de conhecimento e tecnologia entre os entes federados. Como foi o caso de 2019 no estado do Mato Grosso, em que a coordenação do ENIF (Encontro Nacional de Inteligência Fiscal) afirma: “Essa é uma grande oportunidade para reunir as unidades de inteligência fiscal de todo o país e debatermos as dificuldades e oportunidades que o emprego da tecnologia da informação propicia no combate efetivo às organizações criminosas que estruturam fraudes com intuito de sonegar tributos.”, Rafael Vieira coordenador do Décimo-quinto ENIF. E segundo nota publicada pela assessoria de imprensa a pauta da edição está baseada pela seguinte diretriz: “O Combate às Fraudes Fiscais Estruturadas na Era da Informação”.
O que previne o envolvimento em fraudes ou incorreções é a manutenção do compliance pelo estudo dos atos regulatórios e a aplicação de estratégias de prevenção, previamente estabelecidas, no dia-a-dia das entidades. O desafio é considerável, afinal, temos que dar conta do passado, do presente e do futuro incerto. Entender os processos de malhas e antecipar-se aos fiscos é uma boa medida de prevenção.
Referência Bibliográfica:
[1] Gartner (2001): Big data são dados com maior variedade, volumes e velocidades crescentes.
[2] Harari, Yuval Noah. Sapines, uma breve história da humanidade. LPM Editores. Porto Alegre, 2019.
[3] Negruni, Mauro. Org. Almeida, Fábio; Madruga, Edgar; Rodrigues, Fábio. Compliance tributário, práticas, riscos e atualidades. Realejo. São Paulo, 2018.
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1 comentário em “As malhas fiscais podem ser entendidas e previstas”
Ótimo assunto, gostei nunca é demais conhecimento. Abraço Darci D. Rossi