A ciência do direito está longe de ser exata, como a matemática por exemplo, entretanto, ouso traçar um correlativo com a Teoria do Caos, utilizada pelos matemáticos para descrever a imprevisibilidade dos comportamentos futuros de um determinado sistema que, regido por leis, “permitem” a previsibilidade do futuro.
A Teoria do Caos, então, se mostra presente quando há desordem no comportamento do sistema estudado. O Efeito Borboleta de Edward Lorenz afirma que a mudança de fatores iniciais pode gerar resultados/comportamentos diferentes no futuro. Quem não se lembra do filme Efeito Borboleta?
Sob a ótica do Direito, a Teoria do Caos, a meu sentir, se aplica na desordem do comportamento jurisprudencial dos Tribunais Brasileiros. Mas quero aqui tratar em especial do Direito Tributário.
O Direito Brasileiro, aprendemos na faculdade de direito, tem suas raízes no civil law. No entanto, ao longo dos anos temos observado uma mudança que tem tornado o Direito Brasileiro uma espécie de mix do common law e civil law.
Temos tomado decisões ou ingressado com certas ações judiciais a partir da observação do comportamento jurisprudencial dos Tribunais sobre determinada matéria, seja por meio dos mecanismos de consolidação (repercussão geral no recurso extraordinário, do repetitivo no recurso especial ou pelo incidente de demandas repetitivas); ou por meio do histórico de decisões propriamente.
E por isso, não de hoje, os advogados, os consultores, os gestores da área tributária etc. têm observado o comportamento da jurisprudência dos Tribunais Brasileiro, quando estão desenvolvendo planejamentos tributários ou são chamados a dar recomendações sobre operações.
Desde que iniciei minha trajetória na área do direito, sempre ouço vozes indignadas com o comportamento da jurisprudência brasileira. Quando ainda na faculdade, em 2007, me recordo dos colegas que, como todo calouro de direito, se viam quase que obrigados a contestar e esbravejar contra os posicionamentos dos Tribunais naquela época.
Passado alguns bons anos, atualmente tenho outra visão sobre a inconsistência da jurisprudência brasileira. Vejo diariamente a importância dela na tomada de decisão pelas empresas.
Em meados de 2018, se não me falha a memória, eu participei de mais uma reunião do grupo chamado TEWA (Tax Experts) e neste evento falou o CFO de uma grande companhia sobre o aproveitamento da oportunidade tributária gerada pelo declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao Pis/Pasep e a COFINS.
Naquela oportunidade, em linhas gerais, o CFO disse que sua companhia tinha optado por não aproveitar a economia tributária até que sua ação judicial transitasse em julgado em razão das incertezas geradas pelo questionamento da exclusão do ICMS se recolhido ou o destacado.
Passados 2 (dois) anos daquela palestra e ainda hoje (2020), nós não sabemos qual o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre esse ponto crucial da operacionalização da inconstitucionalidade declarada. Quase todos os Tribunais Regionais, se não todos, afirmam que o entendimento é de que o ICMS destacado é aquele que deve ser excluído. E várias empresas já tiveram suas ações transitadas em julgado com essa afirmação.
Já pensaram se o Supremo Tribunal Federal diz o contrário?
Há outros inúmeros exemplos que revelam a importância de se ter uma jurisprudência sólida que traga segurança jurídica e estabilidade à tomada de decisões pelas empresas brasileiras. Eu mesmo vivenciei casos em que obtive decisões diferentes sobre um mesmo tem. Naquela oportunidade a matriz obteve um posicionamento do Poder Judiciário e sua filial outro. Como explicar isso ao empresário?
Saber prever em números o custo tributário ou se uma operação resultará em algum ganho/economia é muito mais simples aos profissionais da área tributária do que afirmar os riscos dela. Mas isso não decorre da falta de habilidade do profissional, mas da presença da Teoria do Caos na jurisprudência brasileira.
Um dia dormimos sabemos que a mera inadimplência do dever de pagar tributo não gera responsabilidade tributária, sobretudo constitui crime contra a ordem tributária. No outro, ao acordarmos, a jurisprudência se altera e agora devemos nos preocupar em reunir documentos suficientes que atestem a ausência de dolo ao deixarmos de pagar o tributo.
Neste momento, a pergunta que me vem à cabeça é: a insegurança jurisprudencial no fim do dia não gera prejuízos também a nossa economia? Será que o tempo e dinheiro gastos pelas empresas com processos e autos de infração, não as impedem de crescer e gerar mais receita e empregos?
Ser capaz de prever minimamente o comportamento/entendimento dos Tribunais sobre determinado tema, me parece ser uma garantia mínima da ausência da Teoria do Caos na jurisprudência brasileira. E não estou me referindo aqui apenas a longo prazo, mas principalmente a curto ou curtíssimo prazo, porque somente agindo desse modo as empresas poderão adotar essa ou aquela estratégia e ter a segurança de que amanhã, não sofreram consequência imprevisíveis (autuações) diante da mudança repentina do comportamento jurisprudencial.
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